LMP2: Uma categoria de Le Mans em ascensão

Apesar das equipas de fabricantes que competem em LMP1, a categoria líder, terem conquistado todas as manchetes sobre o Le Mans, as batalhas mais ferozes são, sem dúvida, as que ocorrem na categoria LMP2. A segunda divisão do Le Mans está em excelente forma: este ano a categoria é composta por 23 carros, constituindo a maior participação desde que a classe foi criada, em 2004. A LMP2 percorreu um longo caminho. Originalmente, foi concebida para que os pilotos amadores e as equipas privadas participassem em Le Mans e nas corridas de protótipos sem necessitarem dos astronómicos orçamentos da LMP1. Porém, ao longo dos últimos 12 anos, a categoria e as opiniões sobre a mesma mudaram radicalmente. Um relance pela lista de concorrentes revela alguns dos nomes mais sonantes da competição automobilística, quer em termos de pilotos, quer de equipas. O que começou por ser, em grande medida, um terreno de pilotos amadores evoluiu, ano após ano, para um modelo mais profissional e combativo. Parte da razão subjacente à expansão da LMP2 resulta, em parte, da mudança no ambiente do desporto motorizado mundial. A Fórmula 1 (o sonho acalentado por qualquer aspirante de um monolugar) há muito se manifesta como uma porta fechada para a maioria dos jovens pilotos. Sem o apoio de uma das principais equipas, de um fabricante ou de um avultado investimento privado, as hipóteses na F1 são quase nulas. Existem apenas 22 lugares e são muito poucos os pilotos que de facto ganham dinheiro. Se compararmos este panorama com a competição nos carros de desporto, a situação é muito diferente. Ninguém paga para conduzir numa equipa de fábrica em LMP1. Adicionalmente, o apelo global do marketing de Le Mans, juntamente com o reformulado Campeonato do Mundo de Resistência da FIA, despertam anualmente o interesse de um número crescente de fabricantes prestigiados, proporcionando um leque mais amplo de oportunidades de carreira. A LMP2 oferece aos jovens pilotos a possibilidade de correrem na mesma pista dos pilotos consagrados perante os fabricantes, na esperança de serem observados. As portas abriram-se, permitindo a entrada de uma vaga renovada de talentos. A Strakka Racing tem sido, desde a sua estreia em 2009, um dos grandes pilares das corridas de LMP, constituindo uma presença constante e participando em cada edição desde então. Irá apresentar um Gibson 015S, pilotado por Nick Leventis, Jonny Kane e Danny Watts. O Chefe da equipa, Dan Walmsley, é testemunha das grandes mudanças da LMP2. “Desde que corremos, a LMP2 tem evoluído para uma competição de nível muito elevado,” refere. “A categoria, quer das equipas quer dos pilotos, é hoje extremamente elevada e é, sem sombra de dúvida, uma das classes do desporto motorizado mundial onde é mais difícil ganhar. Temos assistido a uma vaga de pilotos muito talentosos, e alguns já consagrados, virem competir para a LMP2, uma vez que é o melhor caminho para chegarem à LMP1. Pilotos como Brendon Hartley, o atual Campeão do Mundo em título e piloto de fábrica da Porsche, e Sam Bird, antigo piloto de reserva da Mercedes F1 e agora piloto de fábrica da Ferrari, utilizaram a LMP2 para mostrar os seus talentos e para conseguirem contratos com fábricas. Em comparação com as corridas de monolugares de elevado nível, a LMP2 é uma opção mais acessível, e com a participação de grandes nomes é mais atraente do ponto de vista comercial para os patrocinadores. Há muitos fatores favoráveis neste momento”. Bruno Senna é um piloto que chega a Le Mans vindo da F1, tendo integrado a equipa RGR Sport by Morand Ligier que venceu a primeira prova das Seis Horas de Silverstone. Bruno faz equipa com Ricardo González e o piloto da Audi Sport, Filipe Albuquerque. Senna corre pela primeira vez em Le Mans na classe LMP2, mas já tinha participado antes em LMP1 com a ORECA, em 2009, e em GTE Pro com a Aston Martin. Senna comenta: “Silverstone foi a minha estreia em LMP2 e vencer a prova foi incrível. Gosto muito da categoria LMP2 e os carros são muito interessantes de conduzir. Fazem-me lembrar um carro da F3 embora mais pesados, mas devido à força descendente o peso não se sente com a velocidade. Quando se leva os pneus ao limite sente-se muita aderência. Ainda assim, penso que precisarei de um tempo depois de Le Mans para poder dizer que me sinto totalmente confortável, já que ainda tenho muito que aprender para chegar ao topo”. A lenda do ciclismo olímpico, Sir Chris Hoy, fará a sua estreia em Le Mans integrado na equipa Algarve Pro Racing, partilhando o seu Ligier com Michael Munemann e Andrea Pizzitola. O veterano inglês dos carros de desporto Ryan Dalziel está de volta com a Extreme Speed Motorsports na companhia de Chris Cumming e da estrela em ascensão Pipo Derani noutro Ligier. Antigo piloto de F3, Derani possui credenciais que já demonstrou, embora esteja a começar a sua carreira. O brasileiro de 22 anos já ganhou este ano as 24 Horas de Daytona e as 12 Horas de Sebring com a equipa ESM. Uma vitória em Le Mans representaria uma tripla histórica. O carro irmão de Scott Sharp, Ed Brown e Johannes van Overbeek está também presente com os mesmos objetivos. O bem conhecido guarda-redes de futebol Fabien Barthez integra a equipa Panis Barthez Competition, juntamente com Timothe Buret e Paul-Loup Chatin. 

No total, são nove equipas que correm com chassis JS P2 da Ligier. Trata-se de um carro que não foi concebido para as novas regulamentações de 2017, sendo que iniciou a sua vida útil em 2014. As cinco equipas que correm com o mais recente ORECA 05, um carro mais recente que cumpre os regulamentos de 2017 com um kit de actualização, podem tirar partido de um design mais reduzido e mais aerodinâmico, o que representa uma vantagem nas longas retas de La Sarthe. Uma das equipa que espera aproveitar essa vantagem é a G-Drive/Jota de Roman Rusinov, Nathanael Berthon e o piloto da Audi René Rast. A associação de Rast a Rusinov e Berthon, experientes já em duas temporadas, promete dar que falar. Poucas equipas novas na grelha de partida podem contar com o nível de experiência da Manor WEC. Esta equipa é constituída por um grupo de engenheiros que competiram na F1 sob a insígnia da Manor-Marussia – e anteriormente Virgin Racing. Graeme Lowdon e John Booth, que se separaram da Manor Racing F1 em finais do ano passado, assumiram a responsabilidade de dois ORECA 05, mas vão apresentar um único carro em Le Mans, conduzido pelo ex-piloto espanhol de F1 Roberto Merhi, fazendo equipa com Tor Graves e James Jakes. Lowdon afirma: “A LMP2 encaixa no que pretendemos fazer na Manor. Sempre quisemos trazer jovens pilotos e engenheiros até aos níveis de topo do desporto, e a LMP2, na minha opinião, será um dos maiores viveiros para o talento no desporto motorizado mundial durante os próximos anos. A história já mostrou que os jovens pilotos e engenheiros podem chegar aqui e mostrar as suas qualidades perante os grandes fabricantes. Têm hipóteses de evoluir. Construímos esta equipa como um misto entre pessoal que decidiu juntar-se a nós vindos de uma equipa da F1 e recém-chegados com ampla experiência em carros de desporto. O Le Mans e o Campeonato Mundial de Resistência estão num nível tão alto que não se pode subestimar a o valor da experiência e do conhecimento. Os carros da LMP2 são muito diferentes dos carros da F1, mas quando se olha para qualidade de um produto como o que a ORECA apresenta, podemos ver que estão ao mesmo nível. Os motores estão simplificados e elementos como a suspensão são também mais simples, mas quando as peças cumprem com a sua função, para quê mudá-las? É um trabalho de engenharia excelente e perfeito para o propósito. Não têm que custar 50 milhões por ano, o importante é que sejam acessíveis aos pilotos e aos engenheiros, deixando para a equipa e para os pilotos o papel de marcarem as diferenças na pista. Alinhar na grelha de Le Mans com o emblema da Manor no carro é, provavelmente, o momento de que mais me orgulho na minha carreira no desporto motorizado. Os nossos pilotos não são os que reúnem mais experiência, mas a chave está em aprender, sempre. Estamos aqui para aprender e se o fizermos bem, então o prémio é excelente”. Outras marcas de chassis presentes na competição são dois BR01 com motor Nissan. Um é conduzido por Vitaly Petrov, detentor de pódios em corridas de F1, juntamente com Viktor Shaytar e Kirill Laygin, e no outro está o veterano de Le Mans Nicolas Minassian, em equipa com Maurizio Mediani e Mikhail Aleshin. A LMP2 está na iminência de mais uma mudança, não isenta de alguma controvérsia. Este é o último ano das regulações abertas, dado que a FIA e a entidade organizadora de Le Mans, o Automobile Club de l’Ouest, vão introduzir nova legislação a partir de 2017, num esforço para reduzir custos e contribuir para a acessibilidade da categoria. Em simultâneo com o crescente interesse dos pilotos, os últimos anos trouxeram também mais projetos de fabricantes para a categoria, o que ameaçou destabilizar os orçamentos por via de uma guerra de inovações. A partir da próxima época, apenas quatro marcas poderão fornecer chassis de LMP2 (Onroak Automotive, ORECA, Dallara e Riley Tech/Multimatic). Todos os carros terão de correr com a mesma especificação de motor Gibson, anteriormente Zytek. A partir deste ano, apenas equipas com ORECA 05 atualizado terão carros elegíveis para o próximo ano. Os carros mais antigos continuarão a poder participar, mas estarão em desvantagem no que respeita ao rendimento. As alterações das regras dividem as opiniões: alguns são favoráveis a uma abordagem mais restritiva, enquanto outros se preocupam com o facto de asfixiar a criatividade dos engenheiros, algo que a competição dos carros de desporto sempre se orgulhou de exibir. Christophe Profit, da Onroak Automotive, afirma: “Se deixarmos a LMP2 tal como está, teremos uma corrida às armas, pelo que este tipo de regras é necessário. Há muitos fabricantes em P2, e não se adquire dinheiro para a corrida, por isso é muito difícil recuperar o custo do desenvolvimento de um carro, sendo que a única forma de o fazer é vendendo os carros às equipas. Actualmente, há muitas marcas que vão desaparecer porque a escolha é excessiva. Ter apenas quatro fornecedores significa que podemos ter fabricantes a fornecerem muitas equipas, cada um deles com um produto forte e custos sustentáveis. A LMP2 é extremamente competitiva actualmente, e as regulamentações são atractivas. Todos dispõem da mesma potência ao longo de uma volta e da distância de uma corrida, por isso tudo se resume à capacidade de condução. E as novas regras não vão alterar isto”.

Robert Goodson

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